terça-feira, 15 de maio de 2012

Maio.


Seis de maio. Eu acordei na hora do jornal. O rádio estava ligado em algum noticiário oscilando entre comentários da novela e uma operação policial na Zona Oeste. Dois policiais morreram. A traição foi descoberta. Depois de ir ao banheiro, andei vagarosamente até a cozinha pra fazer café. Parei uns minutos no espelho da sala, mas não pensei em nada. Achei que cortar o cabelo seria uma boa, ou ao menos desfiar as pontas. Não tão por conta do espelho, mas pela revista que andava lendo antes de dormir, agora jogada no pé da cama, eu acho.

Demorei uns dez minutos entre achar a caixa, lavar a louça e botar o café pra passar. O cheiro viajou pela casa. Depois, mais cinco minutos esfriando na caneca de porcelana com motivos infantis. Não tinha pão. Na verdade, faz muito tempo que não como pão assim em café da manhã. Além do mais já tinha passado do meio dia. Vi as notícias na internet. Incêndio em Friburgo. Também abri um site com os horários do cinema. Voltei ao banheiro, ainda meio sonolenta, mesmo depois do café, mesmo depois das notícias. Sentada no vaso, eu fiquei pensando como numa revista onde li sobre minha banda favorita. Eu ainda estava de meias. Meia de bichinho.

O dia estava correndo, e decidi agir. Depois de um banho, vesti uma jeans e camiseta. Só quando estava no meio do caminho, percebi que não me lembrei de recolocar os brincos. Eles tinham ficado na saboneteira da pia. Meu tênis azul estava um bocado sujo de lama da ultima vez que usei.  O cordão e duas borrifadas de um perfume que quase nunca usava. Peguei as chaves e parei um pouco apoiada na mesinha de mogno da sala tentando lembrar se não me esquecia de nada. Dinheiro no bolso, chaves e as cartas nas mãos. Quando já estava do lado de fora é que alguém tinha falado no rádio que poderia chover. Então voltei para pegar uma jaqueta e aproveitei pra prender os cabelos num rabo de cavalo.

Primeiro eu passei na banca e comprei um jornal e cigarros. Filtro branco. Acho que na verdade só comprei porque eu estava olhando aquelas revistas de mulher, passando as páginas, parando os olhos em alguns títulos e o dono parecia não ter muitos clientes naquele horário, estava com a atenção toda em mim. Eu não sabia se era por puro tédio, ou se curiosamente ele fazia do tipo que queria me comer. Constrangida, eu preferi comprar alguma coisa pra fazer valer os dez minutos que fiquei lá olhando as revistas. Antes gastar umas moedas do que alguém ficar me xingando em pensamento. Meu segundo rumo foi ir aos Correios. Fiz um canudo com o jornal e botei o maço de cigarros no bolso interno da jaqueta. Postei duas cartas, uma para minha irmã e outra para minha amiga chilena. Daqui a três dias seria aniversario dela. Antes tinha pensado em comprar alguma coisa, mas pela indecisão preferi mandar um cartão. Sabia que a carta não chegaria no tempo hábil para os parabéns serem dados antes do aniversário, mas que ela ficaria feliz quando chegasse. Resolvida a parte legal da coisa, passei no mercado para comprar alguma coisa para comer e também frutas. Na volta, mesmo meio atrapalhada com as sacolas e o jornal, parei novamente na banca e matei minha vontade e comprei a revista de mulherzinha. O jornaleiro riu.

Arrumei tudo na geladeira, vagarosamente. Tomei um banho bem demorado. Era o tipo de coisa que fazia valer a pena estar de férias do trabalho. Não tinha marcado viagem, nem tinha mais paciência pra ficar indo ao cinema. Sabonete esfoliante, xampu, condicionador. Percebi que estava com uma espinha na bochecha direita, na altura do ouvido. Fiquei uma meia hora debaixo da água quente.
Já era na hora do jornal da noite quando tomei coragem, então. Tentei adiar de todas as formas, mas já estava na minha mão, seria bobagem continuar isso pra sempre. Sentei na cama com as pernas cruzadas, e parei a mão sobre a monograma dourado de vocês. Fiquei meio engasgada, mas abri a carta, o convite. As letras em dourado. A parte boa era que não trazia nenhuma grande novidade, tirando o fato de que pensava que você não quisesse casar segundo os preceitos Católicos, quanto mais numa igreja. Não comigo. Mas, afinal, não seria comigo mesmo.

Fiquei olhando para o convite e pensando um milhão de coisas. Não que fosse bem o que eu chamaria de ciúmes, mas também não deixava de ser. Acabei fazendo um café. Bastante café que botei numa garrafa térmica com flores verdes desenhadas. No meu HD tinha alguns filmes de comédia que um amigo do trabalho tinha me passado, e talvez esse fosse o momento pra assistir. Por mais que as situações absurdas se esforçassem eu não conseguia rir porque pensava nela provando um vestido e tiara brancos e em você se forçando a calçar sapatos sociais. O cara pensava em maneiras idiotas de matar o próprio chefe. Fiquei pensando se alguém ia te ajudar a comprar os sapatos certos, ou você como sempre compraria maior que seu pé.

Eu sei que nunca liguei muito para casamentos, principalmente depois que meus pais se separaram. Mas, do tempo que estivemos juntos, você me convenceu o contrário. Só não lembro se cheguei a te contar isso. Achei que teríamos tempo para conversar esse tipo de coisa oportunamente. Não tinha como eu pensar que um dia acabaria numa briga. Não tinha como eu pensar que um dia você iria casar com outro alguém. Quer dizer, você casar é perfeitamente compreensível, até porque esse foi um sonho mais seu do que meu. Só nunca imaginei que doeria.

Não sei em que momento você está lendo essa carta. Espero que o casamento seja muito bom para você, e que ao menos nos primeiros seis meses seja tudo o que você sonhou. Agradeço o convite, mas não poderei comparecer. Não marquei nenhum compromisso no dia, nem desprezo sua lembrança. Simplesmente, foi muito difícil deixar você morrer dentro de mim. Por muitos dias eu chorei por ter sido culpa sua. O processo foi todo muito longo e demorado. Senti-me culpada. As lembranças foram minguando, as fotos esquecidas, até que você virou isso, um convite. Seria muita cara de pau minha comprar um vestido e me despencar de casa, quando na verdade nem todos meus sentimentos são exatamente ternos. Você vai casar, e que seja feliz. Mas isso não corresponde mais a minha história. Deve fazer um ano que não nos falamos e o seu casamento não seria o melhor momento pra isso. Não fique enchendo ela com aquelas conversas filosóficas, conselhos de psiquiatra que escreve para jornal. Se esforce para ser mais feliz do melhor jeito que vocês puderem e pra achar os substratos certos para que o casamento não venha a ruir com o tempo.
Fazia tempo que eu não te contava o meu dia.
Desculpa ter demorado a responder. Que dê tudo certo.

Um comentário:

  1. O Carpinejar vai casar? rs!
    Prende de uma forma que só parei no ponto final, mesmo com essa combinaçao de fundo e fonte incomodando a visão!

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