terça-feira, 1 de março de 2011

counterpoint counterpoint counterpoint.

-Oi, lembra de mim?
-Nossa quanto tempo!
Por um momento, Aline achou que devia ter dito “saudade”, mas deve ter pensado que passaria por ridícula. Aliás, depois de tanto tempo, não sabia se a lacuna que sentia podia ser mesmo chamada de saudade. Cumpriu o convencional: abraço e dois beijinhos e em seguida se encolheu apertando a bolsa com as unhas, sem esconder o sorriso sem graça. Melhor seria se esconder.
Esse novo encontro fez Aline se lembrar do que já tinha superado.

No colégio, se sentia deslocada com as outras garotas. Ela adorava rir das besteiras que os garotos falavam e eles adoravam como ela era desbocada.Uma menina loirinha quase sempre tão calada falar tantos palavrões. Até tinha algumas com quem falava, mas quando os assuntos começavam a girar ao redor dos meninos ela perdia a variedade de conhecimento que tinha em outras coisas. Já estava com treze e nunca tinha beijado ninguém, e odiava ficar num ambiente onde a qualquer momento teria que falar sobre isso.
Aos poucos, Aline começou a reparar num guri. Cada coisa ou insight dele. Ela estava apaixonada e não sabia lidar com isso. Talvez fosse o modo como ele sempre se pergunta se "tudo bem?", ou como ele fazia comentários sarcásticos sobre bandas que ela adorava, ou como começavam falando de pudim e terminavam falando de suas projeções no futuro. Às vezes ele se debruçava e ficava olhando-a, até que ela se desse conta. Pra Aline, não tinha como tirar conclusão alguma disso.

Decidida, um dia escreveu uma carta com seus sentimentos e botou dentro de um caderno que ele, quase que semanalmente, pedia emprestado dela por ficar conversando nas aulas de geografia. O caderno foi e voltou sem que aparentemente ele tivesse percebido a carta. Depois disso, as conversas minguaram. Ele se em alguns projetos do Grêmio e ficou um bocado arrogante a medida que era elogiado.
No ano seguinte, mudaram de turma e quase nunca se falavam. Se bem que quando acontecia, ficavam longos minutos falando sobre o céu e a terra entre Blink e Mars Volta. Não era o bastante. No ultimo dia de aula, se despediram com um breve abraço
-Eu sei de alguém que gosta de você.
-Sei quem é
-E então?
-Espero que a gente não perca o contato, Aline.

Acabaram não se vendo nunca mais. Foram pra colégios diferentes. Ela namorou um cara com umas tattoos no braço. Dizem que era maconheiro, mas isso é suposição, assim como todas essas outras coisas que me contaram sobre ela nesses anos. Juntando as informações, acho que foi assim que foi mais ou menos assim até aqui.
Ficamos nos encarando ainda uns dois minutos, olhos nos olhos como nunca tínhamos ficado antes. Ainda tenho vergonha de ter lido a carta no caderno e não ter feito nada, ou de nunca ter abandonado meu porto seguro pra dizer o quanto eu a amava. Nunca superei o medo de ser rejeitado por ela, e preferi deixar que o tempo se encarregasse disso. Mesmo agora, com essas verdades lacunares, eu ainda tinha medo. Ela estava tão mais bonita e provavelmente não me perdoaria por ter negligenciado-a todo esse tempo. Ademais, as circunstancias eram outras.
Minha namorada me puxou pelo braço, e eu me despedi de Aline.

Mundo pequeno.

2 comentários:

  1. Tava pensando que tinha abandonado isso aqui...
    mas não. voltou com força total e com mais um de encher os olhos.

    parabens por mais esse!

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