quarta-feira, 14 de julho de 2010

Disciplina.

1 - Educado pela mãe, que queria ser professora, aprendeu a ser sua própria escola. Apenas a liberdade poderia ensinar o que lhe fosse preciso pra crescer feliz, assim como alertar dos perigos naturais à vida. Sempre que preciso, a mãe quebrava tal contrato e exercia com perícia ímpar sua maternidade. O menino aprendeu por si a ter liderança, ou a chorar quando algo doesse. Desprezar os preconceitos, tentar domar a todos com sua verdade. Sobretudo, passou a admirar as artes fazendo-as de sua zona de conforto. Escreveu a história do rei que entrava em colapso ao ver seu reino em chamas, antes de saber desenhar o que se chama de letras. Lia história de fantasmas no ônibus, a caminho da casa do avô, quando a chuva começou a entrar pela janela. As ilustrações ficaram borradas e ele continuou lendo.

2 - Quando entrou na escola (escola de verdade) ficou fascinado. Comprar e guardar material, anotar e fazer tarefas. Tudo parecia uma diversão, tudo parecia muito fácil. Não reclamava nem xingava: não via razão pra isso. Os anos foram passando e ele foi perdendo a motivação. Estrelinhas da professora, mas poucos amigos pra brincar. Deveria saber ser mau? Deveria rir dos infortúnios alheios? Não lhe parecia certo. Passou a se sentir cinzento.

3 - Estava recluso em si mesmo por falta de opção. A tarde dava entrevistas sobre seu novo filme em Cannes, de noite conduzia um mar de gente em estádios lotados pra ver sua banda e de manhã tomava um martini a beira-mar, rascunhando seu novo livro.Tudo isso é claro, no interior de sua mente. Tinha feito alguns amigos: Tyler e Holden tentavam lhe explicar filosofias de vida. No perigo, Bruce Wayne poderia ser acionado.

4 - Passava por mais uma rua quando teve seus olhos abertos.Sutilmente, deslizou a mão pelo rosto e a beijou como se fosse a última vez. Gostava muito do cheiro e do corte de cabelo. Ficava olhando sua beleza e rindo consigo mesmo, por todos os dias que tinha passado sem ela. O rapaz já não lembrava como tinham se conhecido. Cada abraço e cada palavra era uma epifania.Os especialistas da área viram seu jeito nos últimos meses e fizeram um diagnóstico: estava apaixonado. As coisas estavam fugindo do seu controle. Mal sabia, mas este era o último beijo.

5 - Repetiu para si não ter energia pra lutar. Aceitou que querendo ou não, dias continuariam passando. Arrumou uma nova risada, um novo personagem. Começou a escrever um livro de verdade e a dedilhar uma música no violão. Lamentou por não ter acatado em aprender a ser mau. Seguiu aprendendo.
Se as coisas insistem em atravessar você com um olhar indiferente, deixe-as ir.

4 comentários:

  1. É, tem que deixar ir...
    Mas como é difícil isso!

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  2. Quase chorei, apenas umas poucas palavras que conseguem dizer tanto, parabens cara se considere um escritor.

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