quarta-feira, 25 de novembro de 2009

As Vítimas.

".....apesar de inconstante, ela é uma boa menina"Ainda lembrava que refletiu quando se decidiu por pedi-la em namoro.
arrumou a garrafa e os remédios na mesa.Catou o controle remoto, recostou-se e deu play no filme.

Apesar de vários motivos contra, Dani aprendeu a se realizar.De fato a separação dos pais no começo da adolescencia foi uma baque forte pra guria.Lembra que baixava o volume da tv pra ouvir o que os pais gritavam no quarto ao lado; voltava aumentar já quase chorando.
A esperança de ir pra Disney nas ferias se rompeu, e antes essa fosse a pior parte.
Vivendo só com a mãe, ouvia todos os dias como era difícil ser mulher num mundo de homens.Aprendeu que devia ser independente.Como colateral, aprendeu a rancorizar e ser dura com toda sorte de rapazes.Tomou horror de acompanhamento pisicológico.
Aos poucos superou.Feliz poder encontrar o pai.Eles passeavam pelo bairro onde agora o ele morava numa casa de aluguel.Dois comodos.Paravam e tomavam sorvete, como uma família feliz devia fazer num domingo a tarde.
Treze anos e já não via graça nos filmes da Disney.Ligava o radio bem alto e botava Stone Temple Pilots ou Alice in Chains.Rodopiava fazendo da escova cabelo de microfone, caia na cama cantando o refrão de Plush junto com o Scott.
No colégio era boa aluna, mas evitava se expor.Mesmo com poucos amigos, eram leais e divertidos.Assim vieram as matanças de aula,o desejo de saborear nicotina e os primeiros toques alheios.Na seletividade que tinha sido empurrada, preferia ser atraída pelos tipos menos comuns.
A mãe chegava do trabalho ela já estava sonolenta.O pai tinha rugas e aparecia cada vez menos.a mãe saia, e acabou achando alguém, julgou.
Foi se permitindo e cresceu como mulher.
O cabelo tingido até nos ombros, a identidade falsa, o senso de responsabilidade.Se pra alguns de estômago fraco, o vomito jorrava no meio fio,ela preferia manter a linha.Sentava na mesa de sinuca numa quinta a noite e numa sexta estava na aula despejando conhecimento sobre a literaturainglesa, sempre sublinhando as consoantes iniciais ao dizer Oscar Wilde.Trabalhava pra ajudar a mãe com as despesas e pra custear sua vidinha.O pai tinha lhe dado uma irmã mais nova.
Os livros da escola, as revistas e o CD do Queens largado na cama.
Se esbarravam na biblioteca, se viam nos corredores.
-Principe Feliz realmente me faz pensar.Eu me sinto tão...incapaz.
Não eram tão novidades um pro outro, só descobriram coisas que não imaginavam.Horas conversando, gostos similares, risos e negativas.
-Claro que os Stones são melhores
-Dorian Gray! Lindo, lindo.
-Não acho o tipo de coisa que se compara, po.É gosto.
-Aquele solo do Hendrix
-As vezes me sinto tão só
-Ficção cientifica
-Paris!
-É.Paris
Abraçados pela rua, ele mal conseguia controlar a felicidade no seu peito.Mas fez.Ficou calado e mesmo no cinema, preferiu olhar as feições dela.A luz batia, descia pelo nariz e fazia os olhos brilharem.Ela virava rindo, apertava o braço dele.
-Você viu isso?
Deslumbrado ele não fez nada. Preferiu bancar o bobo.Foi contando os passos pra casa.
Os relógios envelheciam.Pensou consigo mesmo em suas equações mentais.Decidiu por bem.Talvez fossem o casal mais lindo da cidade, mas ninguém os percebia camuflados no escuro, ainda mais nos dias de chuva.
Resfriados e abraços, cinemas e lanchinhos.Os dois ciumentos, com as magoas mutuamente engolidas.Se davam tão bem que ia ser pra sempre.Aqueles planos de futuro.Ele era sonhador, ela não tinha problemas com as próprias roupas.Apaixonados.
A indústria estava quebrada, e o mercado interno entrou em crise."Decidiram" romper.
Ela ficou triste, ate chorou, mas não prolongou muito.A vida tinha sido incisiva que rapazes vem, rapazes vão.Na mão de um bom entalhador, até pedra de sabão vira escultura.Ele ficou triste, quis se matar. Ouviu vários conselhos, desde "Não deu, não era pra ser" até o "ela era uma puta".Nada adiantava.Nem teorias divinas.Em duas semanas tinha festa da tia.Pais e irmãs iriam. Ele pediu pra ficar.
Apagou quase todas as luzes e foi se preparando.Tinha sido um bom aluno, permanecendo anestesiado pelas constantes brigas dos pais.Gostava de ler e de rock.
Sempre que podia, também curtia filmes cult.
Abriu a capinha e botou seu dvd predileto.Na mesa, uma garrafa de whisky 12 do pai e uma pequena sorte de remédios: Berotec, Aspirinas e um antidepressivo da mãe.
Nos últimos dias, tinha ouvido notas muito pesadas pra baixo, entre Radiohead e Joy Division.
Desligou o filme
Dani era a garota mais interessante que ele já tinha conhecido.Uma mulher, uma menina.Independente, inteligente, proativa, sincera, educada....nos braços dela, ele esquecia de como era motivo de graça quando era do ginásio, esquecia de sua arrogância e prepotência.Sentia-se o cara mais feliz do mundo, e ela nem parecia sentir falta.Estavam conversados, mas não era aceitável.
Se achava pobre, feio, tinha pouco incentivo, pouco reconhecimento.Muitas pressões afunilavam decisões.Valia apena.
"Berotec é em gotas" questionou se como ia misturá-lo no coquetel de overdose.
Pesou em Dani pela ultima vez, foi na cozinha, botou Shadowplay pra tocar.Parou diante dos remédios pela ultima vez.
"Eu também fiz besteira, eu sei.Estraguei uma sensação tão boa, e olha como quero resolver...que idiota.Ninguém tem culpa.Amo porque apesar de inconstante, ela é uma boa menina"
Botou uma dose de whisky, se jogou pra trás.Dormiu no sofá.
Dani tinha medo que as dores mastigadas, um dia a engolissem.
Placebo ou não, doses homeopáticas de felicidade também curam velhas doenças
"no centro da cidade, esperando por você"

3 comentários:

  1. Eu trocaria o título "As Vítimas" por "Os Protagonistas"...

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  2. Me reconheci muitas e várias vezes nesta personagem, ele poderia ter escutado Igg pop tambem logo após Ian Curtis.
    Uma fantástica viagem pelo cenário musical e pelos becos da adolescência.
    (incrível como me vejo sempre nos seus textos)
    Afinal, apesar de inconstante, é uma boa menina.

    Vou re-ouvir todas essas músicas, já!

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